O presidente da Caixa de Assistência dos Advogados de Minas Gerais (CAAMG) fala sobre a importância da valorização da classe e de ações implantadas durante sua gestão, como a telemedicina gratuita do Hospital Israelita Albert Einstein e as reformas das sedes do interior
Reportagem da Revista Encontro, escrita por Alessandro Duarte
O advogado Gustavo Chalfun gosta de lembrar da bandeira da atual gestão da OAB-MG: inovação, inclusão e avanço. Presidente da Caixa de Assistência dos Advogados de Minas Gerais desde o início de 2022, ele diz que feitos como a entrega do primeiro certificado digital a recém ingressos na Ordem ou mesmo a implantação do aplicativo de telemedicina em parceria com o Hospital Israelita Albert Einstein, estão em consonância com esse tripé e ajudam a “trazer dignidade para a advocacia”. Dignidade, aliás, é uma palavra que lhe é cara. E é por isso que já reformou ou construiu mais de 70 sedes do interior. “Eu fui presidente do interior, fui conselheiro do interior, sou o presidente da Caixa vindo do interior – e tenho muito orgulho de ser o primeiro ocupante desta cadeira vindo do interior – e lhe digo que é muito importante para nossa dignidade que nós tenhamos prédios sólidos, que demonstrem a importância da advocacia.” Nesta entrevista, ele fala sobre essas e outras ações implementadas nos últimos dois anos.
1 | Na 24ª Conferência Nacional da advocacia, realizada no final do ano passado, o senhor falou, em sua palestra sobre advocacia contemporânea, que “nós, advogados, não temos o hábito de protagonizar a própria advocacia, pois sempre trabalhamos sob demanda. Mas o sistema judiciário está sufocado. Por isso, quero convocar a advocacia a protagonizar a paz social por meio de soluções propostas por nós mesmos”. O que pode ser feito para alcançar essa paz social?
Nós vivemos um momento de profunda transformação da advocacia, em relação à que era exercida há 30, 40 ou 50 anos. Acredito que a Constituição, que completará 40 anos em 2028, destacou um protagonismo do advogado, no artigo 133. Nós somos a única profissão liberal prevista no texto constitucional. Mas a advocacia não compreendeu ainda este protagonismo. Eu creio que a advocacia, no pós-constituição federal de 1988, formatou-se num modelo de ser um intermediário entre o jurisdicionado e o Poder Judiciário. Mas ela pode e deve ser muito mais. Eu acredito que o advogado deve protagonizar, efetivamente, a solução do conflito e não entregar esse protagonismo ao Poder Judiciário. Evidentemente que não se trata de criar uma disputa entre o Poder Judiciário, a advocacia, os poderes constituídos e o Ministério Público. Não é querer ser melhor que ninguém. Apenas acredito que o jurisdicionado procura o advogado, deposita nele um voto de confiança, para que resolva seu problema. E nós, advogados, tínhamos um hábito de entregar esse problema ao Poder Judiciário e ficar passivamente aguardando. Muitas vezes, os advogados não dialogam entre si. Não dialogando, não conseguem chegar a um consenso e entregam isso ao Poder Judiciário, onde as ações se arrastam às vezes por anos ou mesmo por décadas.
2 | A CAAMG idealizou dois programas para advogados que estão entrando na profissão, o Meu 1º Site e o Meu 1º Certificado. Qual a importância para quem está começando?
Desde o início da nossa gestão, nós lançamos o tripé: inovação, inclusão e avanço, que são as três principais bandeiras da gestão do Sérgio Leonardo. Um dos nossos primeiros atos foi entregar à advocacia um certificado digital na nuvem, com 1 ano de vigência. Antigamente, quando eu me formei, no início dos anos 2000, era necessária a caneta, a máquina de escrever e o computador para que o advogado pudesse exercer a profissão. Hoje é necessário certificado digital. Nisso, fomos pioneiros no Brasil. Mas fomos além e entregamos um ano de site gratuito para que o advogado, de modo virtual, possa se colocar à disposição da sociedade. É inconcebível que hoje um advogado ou uma advogada não tenha um site, não esteja na rede mundial de computadores e não estando na rede mundial de computadores, não seja lembrado. Além disso, com a inscrição da OAB, o advogado recebe também o aplicativo de telemedicina do Hospital Israelita Albert Einstein, que é o App Einstein Conecta. Essa é a menina dos olhos da gestão, porque traz dignidade para a advocacia. O advogado mineiro é o único que tem, 24 horas por dia, 7 dias por semana, o atendimento de um dos maiores, senão o maior hospital privado do país inteiramente gratuito na palma das mãos.
3 | Um dos programas da Caixa de Assistência dos Advogados, o CAAlmamente, de atendimentos psicológicos online, tem quase 4 mil advogados cadastrados. A profissão do advogado está cada vez mais estressante?
Nós vivemos hoje um momento de muita angústia na sociedade mundial. As pessoas têm uma necessidade de respostas imediatas. Eu acredito, sem qualquer embasamento científico, que as redes sociais e a agilidade da informação trazida pela rede mundial de computadores nos deixam angustiados. Consequentemente, quando nós falamos de uma profissão que lida com o sentimento, com o patrimônio e com a liberdade alheia, essa angústia é ainda maior. Por isso a importância de um aplicativo como o CAAlmamente, que possibilita que milhares de advogados sejam atendidos.
4 | Um outro programa que vai na mesma linha é de personal trainer, porque não basta você cuidar só da mente. Esse ele também é muito procurado?
Extremamente procurado. Já tem mais de 3 mil advogados inscritos. Eu costumo dizer que para fazer política institucional, como a gente faz, basta ter boa vontade. Ninguém pediu para a gente sentar nessas cadeiras, como a de presidente da Caixa de Assistência ou da OAB. Por isso, temos a responsabilidade de nos doarmos para as pessoas. Esse é um projeto extremamente simples mas, ao mesmo tempo, extremamente importante para valorizar a saúde do advogado. Hoje, a advocacia mineira, a um clique, fala com um personal, estabelece um treino, segue e pode melhorar a sua saúde, a sua composição corporal, seu peso.
5 | A Caixa reformou mais de 70 sedes. Qual é a importância da sede estar reformada, do advogado ter uma sede em ordem?
Quando a gente fala que está entregando uma casa de advocacia, buscamos aquela dignidade que eu já falei. Imagina você chegar em uma cidade e ver lá a sede do Poder Judiciário, do Ministério Público do Estado de Minas Gerais… e não ver uma sede da advocacia. Eu fui presidente do interior, fui conselheiro do interior, sou o presidente da Caixa vindo do interior – e tenho muito orgulho de ser o primeiro ocupante desta cadeira vindo do interior – e lhe digo que é muito importante para nossa dignidade que nós tenhamos prédios sólidos, que demonstrem a importância da advocacia. O advogado precisa ter uma casa, uma casa que ele possa frequentar, na qual ele possa se reciclar, trabalhar, confraternizar. Eu quero ver a advocacia muito forte, eu quero ver advocacia estruturada. Se nós tivermos boas estruturas físicas, damos um importante passo para igualar a magistratura, o Ministério Público e a advocacia.
6 | Falando de estruturas físicas, a Caixa também ampliou o número de escritórios compartilhados, que são os coworkings usados pelos advogados. Depois da pandemia, aumentou o número de advogados que trabalham em casa e que podem usar esse serviço?
Sem dúvida. Por isso, todas essas mais de 70 obras já são dotadas de escritórios compartilhados. Ao longo dos últimos três anos, nós adquirimos centenas de computadores e notebooks, além de telefones celulares e televisões para serem entregues às 250 subseções. São mais de mil equipamentos eletrônicos concedidos.
7 | Um curso que chamou a atenção, entre os que a Caixa promoveu, foi o com a professora Cíntia Chagas, “Falar e Escrever Direito”. O advogado já não deveria sair da faculdade com essa qualidade?
No Brasil temos 1,3 mil faculdades de Direito. Os demais países do mundo somados não têm o número de faculdades de Direito que temos por aqui. Então, é evidente que existe um desnível muito grande na entrega de algumas faculdades. Por essa razão, nós entendemos que discutir oratória, discutir conteúdo, discutir comunicação jurídica, seria muito importante. Nós tivemos, neste curso em específico, mais de 7,6 mil inscritos. O advogado usa uma única arma, que é a palavra, escrita e falada. À medida que você fale bem, que escreva bem, será bem compreendido. Eu costumo dizer, no meu escritório de advocacia, que o que a gente faz quando a gente peticiona à Justiça é conversar com o juiz, conversar com o desembargador, conversar com o ministro. Se esse diálogo, essa conversa, não for precedida de conhecimentos para que você saiba se portar, saiba falar, é claro que esse diálogo não se concretizará bem.
8 | Podemos dizer que não adianta só você ter o conteúdo, saber a lei, mas também é necessário saber como embalar isso?
Como eu disse, nós advogados lidamos com o sentimento, com o patrimônio e com a liberdade alheia. E nesses três institutos não basta ser meramente um conhecedor da norma. Se fosse assim, bastaria digitar no Google “contrato de compra e venda de um imóvel” ou “dissolução de compra e venda de um imóvel” ou mesmo um “distrato de compra e venda de um imóvel” e a inteligência artificial me responderia. Mas é essencial o toque humano. Quantas demandas às vezes se iniciam de determinado modo e terminam de outro e precisam ser submetidas ao toque pessoal, personalizado, artesanal da advocacia? Essa é a distinção de um advogado para o outro, esse é o elemento que eu acredito que torna alguém capaz de defender os interesses de outrem. Por isso, eu acho que nós precisamos treinar o advogado e não ofertamos tão somente o curso de oratória e comunicação, mas uma série de outros.
9 | A CAAMG anunciou há pouco o lançamento de uma plataforma de cursos, a OAB Classroom, em parceria com a OAB-MG e a Escola Superior de Advocacia. Estar sempre se atualizando é um imperativo da profissão?
A OAB Classroom é como se fosse uma Netflix da advocacia. Ali o advogado pode assistir a vídeos de até 20 minutos para se reciclar. Ele tem a condição de, onde estiver, ouvir como se fosse um podcast, ou em vez de assistir a um filme, assistir a uma palestra de um colega advogado, podendo trocar conhecimento, acompanhar os eventos da Caixa, da ESA ou da Ordem em tempo real.
10 | A CAAMG criou o Auxílio Violência Doméstica para advogadas vítimas desse tipo de violência. Mas o sentimento da sociedade é que advogadas não passam por esse problema. É mais comum do que pensamos?
Não podemos tapar o sol com a peneira e tem muita advogada que, infelizmente, apanha do marido, às vezes até quando está gestante. Precisamos dotar a mulher advogada de condições de ser essa protagonista. Ontem, por exemplo, nós tivemos a felicidade de ter a vice-presidente da subseção onde eu estou inscrito até hoje, Varginha, assumindo a presidência. Uma mulher de 37 anos, preta. Eu acho que a gente precisa de representatividade, a gente precisa de diversidade, e quando a gente tem situações concretas acontecendo, a gente deixa o discurso e passa para a ação. Há, infelizmente, situações de violência doméstica que envolvem advogadas e hoje elas têm o auxílio da Caixa de Assistência, o auxílio psicológico e o auxílio material.